27/07/2020

Resident Evil "Remake": O Survival Horror mais caprichado de todos

Confesso que sentia preguiça só de pensar em escrever um review sobre o Resident Evil "Remake" (ou "REmake"). Não porque a tarefa seja árdua, e sim porque sabia que teria muito a dizer sobre ele. Oriundo de um acordo de exclusividade entre a Nintendo e Capcom, o game foi lançado inicialmente em 2002 apenas para o Game Cube, trazendo modelos de personagens surpreendentemente realistas e detalhados para época, efeitos de iluminação e sombras que se adaptam realisticamente aos personagens poligonais e cenários pré-renderizados (de forma quase "artesanal", pois o hardware da época não possibilitaria fazer isso de forma totalmente dinâmica) e uma grande atenção na parte sonora, com sons pensados para cada ambiente. Tudo isso ajudou a criar aquele que talvez não seja a revolução técnica da franquia, mas sim o clímax artístico que todos os fãs mais apaixonados por Resident Evil esperavam desfrutar.


Minha primeira experiência com o jogo foi na versão lançada para Nintendo Wii na coleção de relançamentos Resident Evil Archives. Ela trazia o mesmíssimo jogo original, porém com novas opções de controle, suporte ao widescreen (exibindo o jogo em fullscreen com tarjas pretas nas laterais) e sutis retoques gráficos aqui e ali. Como esperado, o REmake se mostrou bastante desafiador e como eu não tinha experiência com jogos do gênero Survival Horror, acabei desistindo no início mesmo. Depois de um tempo acabei vendendo o meu Wii, o que me tirou todas as chances de jogá-lo na época.

Felizmente o destino conspirou ao meu favor, e a Capcom relançou em 2014 uma versão remasterizada para praticamente todos os consoles do momento, e dessa vez contando com modelos de personagens aprimorados, efeitos adicionais (Bloom), novos trajes e ainda a opção de encarar a aventura com uma tela totalmente ajustada aos monitores widescreen. A solução encontrada foi engenhosa: como os ambientes são formados pela combinação de imagens pré-renderizadas, efeitos e modelos poligonais, a câmera se move sutilmente acompanhando o personagem, exibindo a parte mais apropriada do local de acordo com a sua posição. Infelizmente não foi possível fazer isso em todas as telas, porém existe a opção para alterar para o formato de tela original, possibilitando ao jogador ver alguma partezinha que não tenha sido exibida.

Jill na ponta inferior da escada. No modo widescreen, a câmera se move acompanhando o personagem.
Jill, na ponta superior da escada. Repare como a câmera acompanhou a personagem, revelando o andar de cima!
Iniciei a minha jogatina com um objetivo audacioso: terminar o REmake em menos de 3 horas (na dificuldade normal) e faturar um lança-foguetes infinito para as minhas próximas jogatinas. Pensei: o não eu já tenho, por que não me arriscar pelo sim? E foi o que eu fiz: com auxílio do excelente detonado do Gabriel PCO, terminei o jogo em duas horas, trinta e nove minutos e trinta e um segundos. Fiquei tão feliz que até postei capturas de tela do momento lá no meu Instagram. Claro, para terminar nesse tempo eu tive que abrir mão de certos puzzles, deixei o Chris Redfield morrer... Mas não tem problema, afinal ele é tão chato quanto o Capitão América! :P

Tá aí uma foto para ninguém me chamar de mentiroso. Também fiz uma cuca de banana com creme, zerei Battletoads e fui paquerado pela Natalie Portman no mesmo final de semana.
Entrada da mansão: repare no reflexo da Jill no chão, em sua sombra realista nos degraus da escada e no efeito de Bloom na iluminação do ambiente!
Já adiantando, a minha experiência com o jogo foi maravilhosa. Levei um mês para conseguir terminá-lo, e cada final de semana de jogatina era aguardado ansiosamente. Claro, eu sempre o dividia com outras atividades, mas as horinhas que eu passava jogando eram muito preciosas e gratificantes. Me lembro de momentos em que meus planos foram pro beleléu, e eu morri pouco antes de conseguir completar um determinado objetivo. Eu me frustrava, me irritava... Mas aprendia muito com os meus erros e jogava muito melhor nas tentativas seguintes. Eu ficava tenso e apreensivo, pois teria que repetir novamente um trecho longo se fizesse alguma bobagem e não conseguisse contornar a situação, como ocupar todos os itens do meu inventário (em um ponto distante de baús e máquinas de escrever) e não conseguir pegar um item importante para o avanço do game; ou ser brutalmente assassinado por uma criatura; ou ainda gastar mais munição do que o necessário e ficar indefeso perante os próximos perigos que me aguardavam. Era tão gratificante (embora mais fácil) quanto uma batalha contra Ornstein e Smough do primeiro Dark Souls.

Alguns ângulos nos permitem apreciar a incrível modelagem dos personagens e a sua combinação homogênea com os ambientes pré-renderizados.
O REmake ainda apresenta as suas peculiaridades: certos zumbis podem se levantar mais fortes e rápidos depois de algum tempo. Para evitar isso é preciso queimar o seus corpos após matá-los (o que pode levar muito tempo) com ajuda de gasolina e um isqueiro ou atirar com uma espingarda mirando para cima, explodindo a cabeça (melhor opção). O problema é que, como esperado para um jogo do gênero, os recursos são escassos e é bom poupar a munição da espingarda para momentos futuros. E é aí que entram os mecanismos de dodge (esquiva) e autodefesa para lidar com certos zumbis: se eles estiverem distantes, o jogador pode simplesmente passar bem longe deles. Porém, se estiverem próximos, mas virados para paredes (sem perceberem a nossa presença), é possível passar por suas costas e não ser pego por um triz. Nas escadas, os zumbis não conseguem agarrar e vomitam ácido, criando outra oportunidade de evitar o combate.

Esse corredor é estupendo e aterrorizante: repare na sombra da Jill e do lustre nas paredes e a do corrimão nas escadas, causadas pela luz difusa (e oscilante) da sala!
O pior cenário de todos é quando o zumbi está indo em direção ao jogador em um corredor estreito, contudo ainda assim é possível driblá-los (caso não haja outros por perto): tente se aproximar e se afastar do zumbi rapidamente, pois os reflexos do morto-vivo são lentos e ele tentará agarrar o ar, permitindo que o jogador simplesmente passe por ele (até mesmo encostando no zumbi) nesse momento de vulnerabilidade da criatura. Existem ainda itens de defesa pessoal que atordoam os zumbis caso eles te agarrem, como adagas e armas de choque (esse último apenas para Jill). Contra algumas outras bestas (aranhas, cobras, tubarões e pulgas), vale a pena tentar se arriscar e simplesmente passar direto, pois a interação com elas é curta o bastante para que nunca façam mal ao jogador. O mesmo, porém, não vale para os Hunters: perigosos predadores com aparência de réptil, são capazes de nos decapitar com apenas um golpe. Em locais visitados com frequência, ou corredores curtos, o ideal é exterminá-los impiedosamente.

Curiosamente, tive mais problemas com zumbis em trechos em que estava carregando muitos itens (talvez um item importante) para a sala seguinte, como se houvesse um tipo de programação que os faça perceberem a nossa presença nessas situações. Infelizmente não consegui confirmar a informação, mas meus testes evidenciaram tal efeito. Percebi também que algumas cobras são venenosas e outras não, como no trecho em que é preciso alterar o nível da água. A minha dica é: desvie, mas se for picado, que seja por aquelas que não possuem veneno. E como saber quais são venenosas? Tentativa e erro: acredito que as cobras próximas da vegetação são venenosas, e por isso faço o caminho sempre rente às escadas. Sou picado, mas meu status não sofre alterações.

Quando os zumbis somem, os Hunters aparecem. Use espingardas contra as criaturas!
Além de todos esses detalhes que tornam o gameplay bastante memorável, REmake conta também com um enredo aprimorado de seu jogo original. A história é aquele mesmo clichê de sempre, mas muito mais convincente: surgem casos de assassinato por canibalismo e a Equipe Bravo (do Serviço de Resgate e Táticas Especiais aka STARS) é enviada primeiro para investigar o ocorrido. Perdendo o contato com eles, enviam a Alpha, que encontra o helicóptero da outra equipe e são atacados por cães zumbis. Um dos integrantes, Joseph, é devorado. O piloto do helicóptero que os trouxe, Brad Vickers, assiste a cena e foge covardemente, obrigando os sobreviventes a se refugiarem em uma mansão. O jogador pode escolher entre um personagem masculino ou feminino, exatamente como no primeiro Alone in the Dark. Entretanto, Resident Evil oferece histórias ligeiramente diferentes dependendo da escolha, embora não sejam diretamente ligadas como em Resident Evil 2 (original).

Chris Redfield e Jill Valentine são personagens sérios e focados em sua missão, demonstrando muita coragem do começo ao fim. No gameplay, Chris é um personagem mais resistente e com menos espaços no inventário; já Jill possui mais espaços, é menos resistente e pode abrir algumas portas com uma gazua. Escolhi finalizar primeiro com a Jill, pois achei a sua história e a sua relação com seus companheiros de equipe mais interessantes. Aliás, quero destacar algo muito bacana do REmake: Jill é tratada com muito respeito do começo ao fim. Ela se preocupa com seus colegas de equipe de forma verdadeira, e eles a tratam com admiração e respeito; não há espaço para sexismos ou piadas de mal gosto. É muito bonito ver isso no jogo, e penso que seria muito mais fácil (e preguiçoso) ir na direção oposta e cair em clichês de outras obras do gênero. Ponto pro Shinji Mikami!

Ao encontrar Richard ferido e envenenado, Jill não apenas demonstra preocupação como também passa segurança e calma antes de buscar o soro para salvá-lo.
Embora demonstre preocupação pela amiga, o olhar inseguro e as atitudes estranhas de Barry acabam trazendo suspeitas. A propósito: a modelo de Jill nesse jogo se chama Julia Voth.
Como já citei no parágrafo inicial, a direção de arte do REmake trouxe uma grande evolução visual para o ano de 2002: enquanto Alone in the Dark e o Resident Evil original utilizavam imagens pré-renderizadas para exibir uma quantidade de elementos superior às capacidades dos hardwares da época, a técnica foi usada dessa vez para permitir um fotorrealismo surpreendente: os rostos dos personagens foram moldados com base em modelos reais, contando ainda com uma captura de movimento que auxilia em um resultado convincente até hoje. Combinando isso à efeitos atipicamente realistas de luz, sombras, reflexos e partículas; modelos tridimensionais extremante detalhados e camadas de vídeo em movimento, temos o mais caprichado Resident Evil de todos. Inclusive, é assombroso perceber como as sombras e luzes incidem de forma realista tanto nos personagens e elementos poligonais quanto em objetos que fazem parte de imagens pré-renderizadas. Tudo parece ter sido projetado para criar o resultado mais impressionante possível para cada ângulo de câmera oferecido.

Embora as lareiras propiciem os ambientes com iluminação mais intensa, repare como as partículas e efeitos da água se combinam perfeitamente com o corredor mal iluminado.
Curiosidade: Mikami parece oferecer ângulos de câmera que favorecem as partes "atléticas" dos corpos dos protagonistas. Há quem se incomode, mas acontece tanto com Jill quanto Chris.
Por último e não menos importante, o atenção dada aos aspectos sonoros acrescenta a última camada necessária para a imersão completa em uma experiência de terror total: existem sons de passos diferentes para cada tipo de piso, ventos noturnos, balançar das folhas das vegetações, correntes se arrastando e grunhidos das criaturas próximas e distantes. A trilha sonora é magnífica, tornando momentos e batalhas memoráveis para todos que tiverem a chance de se arriscar pelos corredores da mansão "abandonada". A única ressalva é o controle clássico que, embora possa ser dominado com um pouco de esforço, ainda afasta jogadores que começaram a jogar Resident Evil a partir do seu 4° episódio. A versão remasterizada oferece um controle mais "moderno", que se adapta sempre ao ângulo de câmera atual. Porém, o jogador poderá se sentir confuso e ainda encontrar dificuldades para desviar das criaturas, por isso recomendo as opções de controle original para desfrutar de uma experiência mais homogênea.

A sombra do Tyrant é assustadora e pode ser percebida independente do ângulo de câmera, criando uma batalha final aterrorizante!
Resident Evil "Remake" é descrito por muitos como o Survival Horror definitivo. Confesso que foi difícil não chover no molhado ao escrever essa crítica, por isso optei por descrever aspectos não tão expostos, como as mecânicas de gameplay e detalhes técnicos da direção de arte. REmake é um jogo impressionante e embora possa parecer difícil no início, a insistência recompensará todos aqueles que tiverem a curiosidade de conhecê-lo. Estou com o Resident Evil 3 "Remake" em minha lista de espera, e confesso que estou em dúvida entre me aventurar primeiro em uma reimaginação ousada ou jogar mais uma vez um dos remakes mais bem elogiados de todos os tempos.

E é isso aí. #FiqueEmCasa

4 comentários:

  1. Pô, velho, você podia ter feito esse post com dicas há uns dez anos. Foi quando eu peguei o jogo para jogar... e joguei... e aí os malditos zumbis começaram a se levantar e eu não tinha mais munição nem pra matar uma barata ^_^

    Lindo o jogo, um espetáculo. Confesso que depois da minha primeira tentativa, o lance da economia de munição me afasta. Sempre tenho a impressão de que vou jogar por horas, ficar sem munição e fracassar miseravelmente, he he!

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    1. Sei bem como se sente, Gagá! As minhas primeiras tentativas ainda no Wii foram bastante frustrantes. Que tal dar mais uma chance para ele agora? Sério, com ajuda de um detonado, a munição "dá e sobra"!! ^_^

      Abração!

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  2. Grande Jorge!! Olha eu comentando pela segunda vez, apesar da primeira não ter dado certo, hehehe!

    Acho importante destacar que uma das coisas que mais gosto em seus textos é a maneira como aborda os pontos, que faz os seus olhos brilharem. Detalhes que normalmente passa batida em diversas analises, você vai lá e nos mostra de uma maneira que faz refletir: Poxa, como não percebi isso. Seu texto fez eu enxergar o quão rico é esse REmake.

    Eu terminei de ler o texto todo com uma vontade absurda de jogá-lo, assim como tu me instigou a querer correr atrás de jogar o RE4 do WII, HAHAHA!

    Outra coisa que considero notável, é como você deixa claro que foi uma experiência tão divertida ao ponto de fazê-lo retornar várias vezes ao mesmo jogo. Uma coisa que nos dias de hoje acontece com menor frequência, principalmente com pessoas que se dispõem a produzir algum tipo de conteúdo.

    Bem, não vou me estender muito. Quero dizer que leio seus artigos com um baita prazer, porque realmente são muito prazerosos de ser ler.

    Forte abraço.

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    1. Ganhei a semana com os seus elogios, Diogo! Muuuito obrigado!

      Aliás, prometo que passarei a responder os comentários do site com mais frequência. As vezes falta tempo e acabamos conversando por outras redes, porém o site tem crescido e penso que é importante dar a devida atenção aos assíduos leitores.

      Um abração!

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