Que bom que não há unanimidade em nada: assim posso explicar como Resident Evil 4 é o ápice técnico da franquia! E como não sou fraco, ainda vou justificar a minha opinião com inúmeras provas que os haters do jogo vão odiar ler. Preparados? Peguem suas garruchas e vamos juntos explodir cabeças bem longe do carnaval, "forastero"!!
Me lembro quando joguei Resident Evil 4 pela primeira vez. Na pré-adolescência, enchi o saco do meu pai para ganhar um PlayStation 2 de presente. Quando finalmente o recebi, saí da loja com excelentes jogos: Prince of Persia: Sands of Time, GTA: San Sandreas, Dragon Ball Z Budokai 3... Mas nenhum deles me marcou tanto como o revolucionárioResident Evil 4. Joguei ele até o fim com pouca habilidade: achei o jogo divertidíssimo, variado, com um ritmo invejável e muito bonito, mesmo sem saber que estava desfrutando da pior versão em aspectos visuais. Não havia nada parecido com Resident Evil 4 naquela época.
Anos depois, zerei ele duas vezes no Nintendo Wii, e dessa vez no modo Professional. Os gráficos de Resident Evil 4: Wii Edition são os mesmos da versão de Game Cube, contando ainda com suporte ao formato de tela widescreen e os modos e trajes que antes eram exclusivos da versão de PlayStation 2. Para muitos essa versão ainda é a definitiva, mesmo após os relançamentos em alta definição, pois além dos elevados gráficos originais (que já são bonitos mesmo em resolução SD), ainda conta com suporte para controles de movimento (Wiimote + Nunchuck). Para minha surpresa, em pleno ano de 2020, decidi revisitar o Resident Evil 4 mais uma vez, e com a experiência em alta definição que só a versão lançada para PC, Xbox One, Switch e PlayStation 4 pode oferecer.
'Resident Evil 4: Wii Edition' possui os gráficos da versão de Game Cube com a adição de controles de movimento. Pena que a resolução SD atrapalhe um pouco a experiência em monitores HD.
Resident Evil 4 para Xbox One, em 1080p e 60fps. Muitas texturas foram aprimoradas; a fonte do texto foi alterada; o efeito de chamas é diferente do original; alguns pequenos efeitos estão ausentes e a iluminação em geral parece ter um contraste ligeiramente diferente em alguns trechos. Porém, o jogo continua um suprassumo em todos os aspectos.
É difícil encontrar um jogo que não tenha um pouco (ou muito) do Evil 4: The Last of Us, Gears of War, Tomb Raider, Batman Arkham, Dead Space, Alan Wake... Até o God of War de 2018 deu um jeitinho de colocar a câmera sobre os ombros de Kratos (o famoso Over the Shoulder, que já existia nos cinemas mas foi popularizado nos videogames por ele). Se tentarmos enumerar todos os jogos, é provável que eu termine o parágrafo apenas no amanhecer do dia seguinte. Isso porque a Capcom conseguiu redefinir o gênero de tiro em terceira pessoa, estabelecendo paradigmas de qualidade difíceis de mudar até os dias de hoje. E isso não deveria nos surpreender: afinal, a Capcom já tinha feito isso antes com Street Fighter II, que não foi o primeiro jogo de luta (até o Atari 2600 possuia jogos do estilo), mas se tornou o título mais importante e influente do gênero. E Resident Evil 4 não fica para trás em méritos.
A inspiração para controlar personagem em uma perspectiva sob os ombros parece ter vindo também dos próprios jogos de tiro em primeira pessoa, como Doom e Duke Nukem 3D: ao aproximar a câmera no personagem, temos a mesma tensão desses jogos, mas sem perder o dinamismo presente apenas em terceira pessoa. Por ironia do destino, a indústria de videogames deu uma volta completa e o DOOM de 2016, que conta com os Glory Kills, se inspirou diretamente
nos Quick Time Events de atordoamento, popularizados com o Resident Evil 4. Há também várias homenagens ao clássico Alone in the Dark (principalmente o Alone in the Dark 2), e podemos comprovar algumas delas com screenshots do início e do final do game:
Sem dar spoilers: um jardim em forma de labirinto cheio de perigos, um inimigo te vigiando pela janela, zumbis inteligentes e armados... Será que já vimos isso em algum outro jogo?
No final, o corajoso protagonista resgata a garotinha raptada e escapam indo em direção do sol. A imagem ficaria mais familiar se...
...substituirmos o caiaque por um jet ski?
Em uma conversa descontraída (e que inspirou essa postagem) com o Gagá do GAGÁ GAMES (ou Roberto... meu irmãozão fora da internet), fiquei sabendo que o criador do jogo, Shinji Mikami, bebeu da fonte de vários filmes de terror para conceber o Resident Evil 4, como O Homem de Palha (1973); e também de películas de terror espanholas com zumbis, como A Noite do Terror Cego (1971), considerado um clássico cult:
Não a toa, Resident Evil 4 foi pensado para ser apresentado com tarjas pretas, simulando uma experiência de filme widescreen em uma TV de Tubo (a versão original de Game Cube sequer possui opções de exibição de tela cheia), exatamente como no mais recente Evil Within, também de Mikami. E essa mudança brusca de inspiração também não veio do nada: depois das baixas vendas do Resident Evil Remake, Mikami optou por focar mais na ação. E pelo visto ele focou tanto na primeira tentativa de concepção que um dos seus protótipos deu origem ao Devil May Cry, franquia importante da Capcom que recebeu recentemente o seu quinto capítulo. Felizmente o seu desenvolvimento continuou, alguns elementos foram descartados (e posteriormente reaproveitados no Resident Evil 5 e também no remake do Resident Evil 2), mas o longo esforço resultou em um dos títulos mais importantes da indústria de videogames.
Lado esquerdo: Leon no remake do Resident Evil 2, usando a lanterna com a mão esquerda enquanto mira. Lado direito: Beta do Resident Evil 4 com Leon na mesma pose.
Sua premissa é simples, mas eficiente: você controla o ex-policial Leon (e não León, como o protagonista do filme O Profissional), que se tornou um agente do governo estadunidense após sobreviver à infestação de zumbis dos jogos anteriores, tornando-se um exímio assassino e perito em sobrevivência. Sua missão é resgatar a filha do presidente, e para isso deverá se infiltrar na zona rural da Espanha e confrontar uma seita misteriosa. Apesar da mudança do ângulo de câmera, a jogabilidade herda mecânicas dos jogos anteriores (também legadas e aprimoradas a partir do clássico Alone in the Dark), como o requisito de estar parado para mirar com a arma, a movimentação do personagem semelhante a um tanque de guerra e a quantidade limitada de itens carregados pelo próprio jogador, que podem ser acessados paralisando toda a ação do game. A principal novidade é a mira, mais livre, que se combina com quicktime events, permitindo ao atirador acertar partes dos corpos dos oponentes e pensar em novas estratégias, criando muitas novas possibilidades de jogo. E o arsenal do Leon é porreta, contando com revólveres, espingardas, rifles, metralhadoras, bazucas e granadas.
Depois de acertar a perna de monges ou zumbis armados, Leon é capaz de executar um "pilão" estilo Zangief neles!
A direção de arte é belíssima, com ambientações variadas e cenários caprichados. Temos vilarejos, lagos, cemitérios, igrejas, cabanas, cavernas, castelos medievais (com obras de arte verídicas), ilhas, fortalezas, laboratórios e torres de comunicação. As texturas, mesmo em baixa resolução, combinadas com a excelente modelagem de polígonos e iluminação dinâmica de cair o queixo (usada com parcimônia em sua época e ausente na versão para PlayStation 2), mantém o jogo impressionante mesmo em 2020. Fogos e luzes incidem sobre o cabelo e roupas do protagonista; sua franja e fios da nuca voam na direção do vento. A animação do fogo ainda parece real. Reflexos de objetos podem ser vistos na água. Tudo foi feito tentando impressionar ao máximo, e por restrições da época, de forma praticamente "artesanal".
Essa cena era bastante comum em vídeos comparando as versões de Game Cube (com iluminação dinâmica) e PlayStation 2 (com modelos mais simples e efeitos visuais ausentes). Observe as chamas e a luz da lanterna iluminando o cemitério simultaneamente!
Reparem como o reflexo na água é simulado com cópias dos objetos em posição invertida, por baixo da própria água. Ah, e ocorreu um bug raro: um dos inimigos caiu na água e como ela não é acessível, os desenvolvedores não acrescentaram simulações de física nela.
A dificuldade dinâmica é outro detalhe inovador: Ao receber muitos danos ou morrer muitas vezes, o jogo automaticamente reduz a agressividade dos inimigos, os danos causados por eles ou até mesmo faz com que seu número seja reduzido. O contrário também ocorre: ao jogar muito bem, a inteligência dos inimigos aumenta, surpreendendo o jogador com ações mais rápidas e danos maiores. Caso ervas e munições sejam menos usadas, as pesetas (moeda espanhola usada para compra de armas e itens) são distribuídas com uma frequência muito maior. Isso, claro, se estiver no modo normal do game, pois no modo The Professional a dificuldade permanece em seu nível máximo o tempo todo, com inimigos mais ágeis e inteligentes que causam danos maiores, e as munições tornam-se mais escassas, exigindo o máximo da habilidade do jogador.
Shinji Mikami colocou referências à vários filmes, como Nikita (1990) e O Profissional (1994), ambos de Luc Besson; e também de Perseguidor Implacável (Dirty Harry - 1971). E sim, o Leon está abestalhado com as pernas da Ada.
Apesar disso, o desafio ainda é crescente e o jogo é inteligentemente dividido em capítulos: sempre que chego ao final de um, me sinto plenamente satisfeito. E se estiver com tempo livre, já sinto vontade de cair de cabeça no próximo capítulo. A trilha sonora é muito competente também: longe de ser genérica, cumpre o seu papel temperando os trechos mais tensos e cheios de adrenalina da jogatina. Meu tema favorito ainda é "Agony", que coroa alguns dos momentos mais badass do protagonista.
A primeira vez que joguei, pensei: "Lascou-se!". Claro que eu estava enganado e o jogo oferece um dos seus momentos mais cheios de adrenalina!
E por falar em badass, o jogo não seria tão lembrado se não contasse também com inimigos e chefes tão criativos e memoráveis. É um carnaval com o bloco do terror completo: tem doidos com forquilhas e facas, loucos da serra elétrica, insetos gigantes, cachorros esfomeados, monges com bronzeado de mussarela carregando foices e até inimigos armados nos capítulos finais. E os chefes não fazem por menos: são emboscadas com zumbis, anfíbios gigantes, ogros, cruzamentos de Alien com Predador da galeria pajé, experiências bizarras e o mais perigoso de todos: um líder de culto religioso, sem vergonha, que se transforma em uma criatura horrenda. É mole ou quer mais?
Antes de fechar a análise com uma tiro de Magnum calibre 45, devo lembrá-los de que apesar de ter me focado em redigir o que ainda não foi dito sobre um dos meus jogos favoritos, ainda há muito a dizer sobre ele, por isso indico (para complementar a leitura) o texto do Start com mais curiosidades. Bom, por hoje é só, pessoal. E caso queiram comentar, só posso dizer uma coisa: "Go ahead, make my day" :) "BANG!"
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